Estrela de Centauro
Todo poema, por mais que se constele, quer ter charme de estrela isolada, mas nunca será auto-suficiente. Embora de cara nos ofusque com seu brilho, alguma estrela basta-se se brilha fora da gente?
humanos demasiados humanos
Nada vêem ainda sob a luz.
Atormentados com o sol,
Desviados, de si mesmos,
Na rota estéril do dia-a-dia.
Vão todos como rebanhos
Guiados pelo estigma da agonia.
Depois da labuta, não mais lutas.
Contentam-se em afagar, indiferentes,
As faces rubras e em febre da noite.
(a William Blake-Alberto Marsicano)
poema liquefeito
Espirro, pigarreio, gaguejo, e, no entanto, narro-se, canto-o, recito-lhe, reescrevo-te, releio-me – somente assim inscrevo-me numa, ainda tenra, manhã anunciadora de iminente verão, o sol quase retinto.
Vou, por entre a fina neblina que se vai rapidamente dissipando, mais e mais.
Vou, mascando malva sem sequer levá-la ao lábio, porque é o hálito dela (carregado pela revolução da aragem, esta que, nascida da friagem lenta da madrugada, de uma hora para outra desata a esquentar) que prepondera.
Vou, tangendo do olhar o velame que infesta, com sua ferrugem entremeada de um verde asqueroso, o campo encravado num elevado ao lado que há tempo não se lavra.
Vou, ferindo-me com surpresa, e sofrendo pequeninhos sangramentos, nos cutelinhos, e nos canivetes serrotadinhos em seus dois gumes, das macambiras e dos gravatás, esses priminhos cangaceiros vegetais que vivem atocaiados na caatinga assaltando passantes.
Vou, desviando-me com gosto do ferrãozinho dos cansanções, e até pulando, sobre os menorzinhos deles, sempre que os defronto, solertes, a dois palmos, ou menos, de meus pés.
Vou, varando com o olhar tudo o que à frente se me alumia, feito como mais tarde passei a varar, sob mil ou nenhum refolho, a noite espessa da nudez de uma pessoa amada.
Vou, por esse taquinho de sertão dos Tocós, fornicando-me na brisa, ainda acariciosa, dessa hora.
Vou, então, sob os raios quase plenos do sol do segundo domingo de dezembro de 1973.
Vou, e sei. Sei que momentos antes deste dia se embrenhar, de vez, na noite, partido de uma estrela distante, abalando-se desde o zênite até um norte incógnito no horizonte, numa velocidade, a um só tempo, cristalizada e estonteante, riscará o espaço, de súbito, um círculo-íris, ovaloidal, cavo bem no meinho, orifício, por sinal, crescente no trajeto, e entrepiscante a intervalos tão rápidos quanto uns olhos possam pestanejar, e do outro lado do qual, detrás de todo entrepiscar, se verá, como nunca, o céu pipocando estrelinhas no breu.
Mas era manhãzinha ainda, e eu ia, menino e medonho, flanando, flanando.
Eu ia, e parei sob a frondosa e estercorária Quixabeira, não tão alta para mim.
Eu ia, e recostei-me nela prum ínterim.
Eu ia, e fiquei ali, sanfonando pulmões, salpicando vista, tato, olfato e audição no derredor.
Nenhum canto de cardeal, nem de fogo-pagou. Nenhum nambu pasmo ante a incursão de algum animal rasteiro metralhou vôo cego de fuga. Nenhuma caçutinga imiscuiu o odor acre de seus primeiros suores matinais no ambiente ainda defumado só com o hálito da malva.
Embaixo da árvore, toda uma superpopulação de seres, incomunicáveis para mim, já se pusera a fermentar ao sabor daqueles primeiros calores do dia. Revolvi desde carrasquentinhos caracóizinhos amarronzados, queimantes lagartinhas pardacentas, até visguentas minhocas carmesins.
Mirando para cima, para um dos galhos mais robustos da árvore, percebi pequena colméia de abelhas aninhada na sua junção com o caule.
Esguelhei-me, esticado na ponta dos pés, e dei de cara com uma sentinelazinha, ar de poucos amigos, postada na portinhola da colméia.
Por certo inquietara-se, já, com o só zumbido de meu respiro, e muito mais com aquele meu voar sem asas.
Ela ia, lá dentro, ela vinha. Ia, e vinha. De repente, prontificou-se imóvel na porta, contudo acesa de atenção. Não arredou mais pé. Não sei quanto tempo ficáramos, ambos, principiando aquele joguinho de peixinho, peixão, aquário e troca de perspectiva de observação. Acho que mais do que o necessário para que eu sentisse os pés, cara e pescoço doídos com aquela posição.
Volteei-me, afinal, sobre a planta de meus pés, e relaxei os músculos inteiros do corpo pilando, de leve, os despojos intoleráveis da Quixabeira, traduzidos em folhas e flores mortas, talos e toda sorte de filamentos dela facilmente despreendíveis, ramos jovens quebrados por algum vento raivoso, cascas de variado tamanho, e demais crostas não apenas do caule, mais para secos e estéreis lá pela borda, mas sob os meus pilõezinhos bem humificados.
Deixei minha abelhinha, sem querer, de lado, e em paz? Ela também deixou-me? Dei uma segunda esguelhadela, e vi que não.
Pouco além da orla da Quixabeira, abaixo, em conúbio não apenas com a malva, já rarefeitos nalguns pontos, e noutros ainda em forte concentração, compondo mantinhos sobre a rala vegetação, vislumbrei os olhinhos d’água do orvalho em sua última intensidade de rebrilho.
Com miúdos passos, projetei-me para lá, e, prostrando-me diante do mantinho mais pródigo topado, funguei-o ali, retendo fundo seu frescor em meu peito, enquanto minhas mãos arrelvavam-se, e rearrelvavam-se, em meio a entrançadas folhinhas, de mil globinhos.
Regressei, logo em seguida, na direção de minha sentinelazinha, e, desta vez, com imenso cuidado, dei mais outra esguelhadela, regurgitando-me, ao reencontrá-la, de contente por havê-la ali, e creio já contentada de haver-me.
Mortos, nós, ambos, todos, qualquer um - penso que então pensei -, tudo não se terá perdido, inclusive o não ganho, não percebido, não sonhado, não vivido, o não partido... nem vindo?
Mãos em concha, mescladas nelas duas lembranças, a do frescor volátil daqueles globinhos, e a do calor de meu sangue, que naquele instante por dentro todo se me retinia, até estalar inteiriço em meus dedos, encosto-as aos ouvidos agora, como o fiz outrora, na esperança de só assim ouvir ressoar a música de uma estrela: para onde nunca fomos, nem jamais iremos - mas da qual somente eu parti?
[Conto-poema]
vento do verbo
Eis-me, aqui, só e meditativo, levado no dorso elefantino das palavras. E do alto de um palanquinho macio, balouçante, refestelado sobre uma delas, eu as vejo a todas. São tão alvas, brancas, de um alvor marfíneo, como somente este, sem falar na esfiapada barba, alvor dos cabelos que me restam e teimam em esvoaçar por trás de minha fronte calva, que por certo desde todo o sempre estiveram, e para sempre estarão, presentes (implícitas, latentes) na palidez mesmo que encardida da voz ou do papel.
Mais nada tenho a dizer. Alguém tem algo a dizer, e mesmo a quem mais dizer, além do que já o diz o ir e vir do sangue em seu corpo? Profiro isso e reflito sobre o dia em que ainda precipitarei num rio que me desaguará para fora de mim mesmo.
Algo me compraz dizer ou escrever, contudo, que da perspectiva desses olhos ou ouvidos que me espreitam, desde aquele Eis-me, as palavras sejam constelações de estrelas negras descrevendo as mais variadas e inusitadas órbitas enquanto dura a noite branca e lisa da fala ou da página. Assim os trejeitos do existente. Mistura de rotas. Reviramentos. O descolar e reacomodar de sedimentos. Passarás a chamar-se Li T’ai Po. Reouço rumores da cerimônia de minha iniciação e propiciação. Ausculto os ritos. E a ti, desse posto, é destinado soprares um vento que desentranhe a entranha das coisas: para que nasças e morras com elas. A voz do preceptor se torna mais perceptível. Aquece-me o corpo inteiro com seu hálito. Mas cuida-te, já que para malograres basta disjuntares o seres do estares.
Disso me rio, e, no entanto, sem alarde, vagueando pelo tempo, ou indo e vindo, sorrateiro, pelas frinchas do espaço, adentro estórias, executando a minha arte combinatória. Um homem rude sopapa-me e conduz-me pela mão. À altura de meu rosto ostenta um carrasquento peixe azul-acinzentado - burburinho no mercado. A menina mais escorregadia que sabão. O velho ressecado feito casca de árvore. Vapor, torpor, gritinhos, murmúrios - durante o banho público. Atravesso longa faixa de papoulas. Segregam silêncios. Deparo-me com um mar pardo. O humor bilioso que se revolve ininterruptamente em suas águas. Exaspero-me. Pernas de mulher em escancaro. Rangei, portas. Em meio a pêlos eriçados e peles ociosas, o vulcão convulso - que, regando-se de um orvalho viscoso, sorve-me em seus rubores e arrota-me amoniacados odores.
Mormaço. Nuvens-palavras adensam. Preparam trovejamentos. Vento. Não sente o vento com que tudo cimento? Eis, nada mais que isto, aquilo que invento. Lampeja o primeiro, o último, o próximo, este, aquele, agora, corisco.
[Fantasia para conto-canto]
convite do sol
Descortinemo-nos para o dia irrompido
Com estrondos de mar e urbanos alaridos.
Que uma última nesga da noite não nos impila
A permanecer neste impasse, e sim nos impila,
Com o ardor com que notivagamos, antes
A um dia irradiante.
Subitamente acendendo-se de sua solidão abissal,
Desanuviando um mundo espectral,
Invita o sol a que como ele despertemos, enfim
Eu de mim, você de você, eu de você, você de mim.
Descortinemo-nos, pois, em disparada:
Que o dia já se alastra em revoada.
[Canto Nupcial - I]
desmanchar-se
não ser-me eu
não querer-me meu
somente sou para o mundo
somente estou no mundo
quando perco-me de mim
diluir-se
desmanchar-se
até que depois de tudo
até que fora de si
nada mais reste
senão arte:
traduzir-se em toda parte
ícaro ressurreto
entre almofadinhas brancas corroídas
por um filete de sangue que ainda minava
de teu corpo dissociado de uma asa.
Antes rodopiavas em queda
acordado de teu sonho de voar.
Sonho desfeito entre um céu e um mar rarefeitos.
Então te resgatamos e te instalamos aqui
neste palanquinho projetado
sobre o primeiro penhasco deparado.
O que te chamava sempre e sempre mais acima
de alturas que ninguém imagina?
Com uma asinha a menos
teu coração voaria menos altaneiro?
Agora com cera de vaga-lume
por fora colamos a tua asa
e com tutano de chifre de unicórnio
liga e seiva novas injetamos
em tuas articulações combalidas.
E de mãos dadas contigo
ao soprar de novo o vento este
revoaremos tu e eu e toda
a nossa legião celeste.
(em parceria com Solange Firmino)
saldo credor
não tomem como desdita
na vida paguei tantas contas antecipadas
que meu saldo restou credor
não vivi a prazo
em prestações suaves
acabei para sempre
morri à vista
teorema
ser igual = ser rebanho
ser estranho = ser humano
ser ufano = ser divino
ser menino = ser medonho
ser bisonho = ser ínfimo
núpcia de eros & tânatos
a distância entre as estrelas -
adia a marcha da atração irresistível entre si
ao ponto máximo
a distância entre os seres -
magnetiza as relações a tal ponto
que logo tomam o curso de um colapso
ai de mim e de ti que não somos estrelas
nos buscaremos sem demoras
nos despedaçaremos de todo jeito
feito rochas de diamante no vácuo
nada sobrará de ti para rir de mim
nem de mim para rir de ti:
quites em de todo modo entoar
música tal qual a hiante das esferas
ser ou não ser do sertão
ser não
ser céu
ser cão
ser sem
ser tão
2 versões anteriores
I
ser sim
ser não
ser sim
ser não
ser sim
ser tão
II
ser sim
ser não
ser não
ser sim
ser sem
ser tão
(a Guimarães Rosa)
saudação a walt whitman
não puramente da materialidade das próprias palavras
mas dos despojos de cada existência é feita a rede de pescar
[palavras
palavras pululam - feito peixes tornando os lagos revoltos -
[nas pessoas
pessoas são redes de pescar realidades que escapam
ou de preferência realidades que nem se dão ao luxo disso
em todo caso realidades que são atraídas pelo estrume
[dos poemas
poemas são redes de pescar leitor
leitor é rede de pescar - tendo os outros por pretexto - a si
[em si mesmo
em si mesmo quem não se contém um belo dia se prorrompe
[em poeta
ou como Fernando Pessoa em poetas:
por essa lição - e pela conseqüente aprendida contigo
que proclama nenhum assunto ser impublicável -
saúdo-te
(a Thelma Oliveira)
animal faminto
entre o que agora sou e o que quero ser viver intento
o porvir vem reclamar todo assento
o aqui em mim é animal faminto
meu espírito turbulento
requer vária sorte de alimento
ser e mais e mais querer vir a ser
eis onde meu fomento
algo
Nada dito, nada feito, fito e deito
Tudo dito, nada feito, também fito e deito
Algo dito, algo feito, não fito nem deito
declaração
se alguém te amar como ou melhor que eu
este alguém não será mais simplesmente alguém
nem aquele eu justamente eu
doravante
se a beleza mais tarde exibe tantos e tão rotos traços
não será porque teve mais ou menos absortos amantes
afora o hirsuto tempo o quanto antes
tédio esplêndido
Quando o céu denso e grave pesa feito tampa
no meu túrgido espírito imerso em lástimas,
e a já baça extensão abraçando ele se adianta
a nos fiar um dia negro e triste de borrasca;
Quando a terra fende e converte-se em vil masmorra,
onde nossa esperança, com suas asas de morcega,
flerta arredia os muros num vaivém de gangorra
e roça a cabeça nos tetos sôfrega;
Quando a chuva lá fora ostenta seus cilíndricos jorros,
imitando as grades de vasta cadeia,
e cá aranhas caranguejando arregalam os olhos
e se põem a instalar em nosso coração suas teias,
Sinos irrompem em mim, com toda a loucura,
lançando aos céus alaridos plangentes,
ao modo de aberrantes espíritos que em fúria
a gemer desatassem esplendorosamente.
-E longos carros fúnebres - abolida toda música -
passeiam com vagar em nossa alma; minha espera, vesga,
e derrotada, chora; e minha angústia atroz, expondo suas rusgas,
no meu crânio inclinado crava sua flâmula negra.
autopsicografia
e a minha vida está incompleta
sou alegre sou triste
sou poeta
feito da mesma lanugem que o tempo
vanglorio o gozo de todos os meus instintos
finjo tão completamente tormento
que tormento deveras sinto
sei que isso não é tudo
mas por parecer que tenha sangue eterno e respiração ritmada
e já que um dia estarei mudo
escrever é melhor que nada
solilóquio do espelho
o que o teu olhar não evita
é este meu olhar que te recita
se todo(a) te vês em minha superfície,
que mais desejas de mim, realidade minha?
me diga, se o que então jamais evitas,
não é a tua imagem que em mim não periclita?
balalajko
klakas kiel šafbleko
kiel šafbleko klakas
(dum baladoj de pompa festo)
kun šafbleko klakas
klakas kun šafbleko
(en balo senlača)
glačikoron de bala
laiko
reveillon
Em meio ao frescor bêbado e trôpego da madrugada,
Lancei farpas ao reino fluido das águas,
Incitei cavalos para o frêmito dos galopes
E banhei teu corpo com o brilho cetíneo da noite.
Enquanto o breu se tingia ao máximo com seu guache,
Fui poeta, profeta, mendigo e mandarim.
Fui todos os segredos, enfim:
Mar rumorejante, grilinho com o cricrilar mais estridente,
[centauro e arlequim.
E, se por um lado, mais de uma vez a noite
Relutou em dissipar seus inúmeros flancos,
Por outro dançavam unicórnios, medusas e demônios
Nos lampejos alvoroçados dos instantes.
Os fogos, por sua vez, ensaiavam atribulados tangos,
Apavorados com a chegada inevitável do amanhecer.
E nós, ansiosos por isto, sem demora
Convocamos a festa mambembe para rastejar pela vida afora
lá ir
lá ir – íris voltadas para mim –
àquela noite grande, bêbada e boa,
em que a gente coube e o riso corria à toa
e em que a minha mão em tua roupa atua
e torna cada coisa - que não se limita com meu pêlo em pele tua -
fátua
sina
Ah, se eu antes soubera desta sina,
quando preparava estratégias,
que há abismo nestas linhas – suicidas! –
e que a mim não é dado saltar de pára-quedas,
o fascínio deste deparar com precipícios
talvez ficasse para trás, de uma vez,
pois quão temeroso seria o esforço do início
ou mesmo inoportuno o menor interesse.
Mas eis o momento de agora,
não me peçam que eu venha com estórias para ficar;
ele exige do poeta mais que um poema,
uma entrega total em seu precipitar;
quando a escrita é assim ditada pelo nosso íntimo,
ela imola o tempo em cena aberta;
aqui começa a arte, uma cortina se descerra,
e expira em verso o nosso destino.
quadro completo
a chuva – num rompante rumoroso –
ameaçou alagar o mundo por inteiro
com o seu intempestivo e escandaloso choro
mas de súbito despontou, acrobático e belo,
o sol – solícito, arfante, malicioso –
estendendo-lhe o seu lenço amarelo
a manhã a tudo aproveitou na espreita:
lavou e enxaguou todo o seu enxoval azul
e o pôs a quarar sobre os restos de verde do planeta
(a Liudmila R.)
que hora soa agora?
-que hora soa agora?
a eternidade me devora!
-não importa o quanto minha dor ou alegria já seja imensa!
se infinda, o que ainda me compensa?
eis aí em cena dois centauros -
Quíron & Pholus -
que por distinta razão lamentam
nau grega
Teu andar com pinta de nau grega
passa e deixa a rua
Atenas versus Esparta
coluna torneada e ereta
velas tão densamente infladas
proa que mais singra mais reflui para cima
em tua popa eis que balouça
numa fímbria à mostra
nívea ou ébana polpa
minha mão ou alma lépida
projeta-se mas em desventurosa
Ilíada
Tróia, não - Odisséia!
então eu disse
eu: Ulisses
romeo, and juliet
O murmúrio não cessou. Impera ao lado.
Apoiado ao umbral da porta, ameaço pronunciar,
Por entre soluços isolados,
Os desígnios de nossa sorte.
A penumbra da noite me perpassa
Por trás, com mil lâminas-clamores iguais:
Se for possível, amado, vai,
Afasta de mim essa taça!
Amo o Teu obstinado tumulto
E aceito o veredito que nos foi dado.
Agora não representarei nenhum drama.
Ao menos dessa vez, esvaiu-se meu senso trágico.
Mão levantada, insisto no fim até o sim.
E, antes que tudo acabe, ergo logo ao lábio
A minha última frase:
Amar não é passear por um jardim!
ao poeta
ao poeta cabe viver sem calma
mente em tormenta
coração em fornalha
nos altos-fornos da paixão
é que se forja a poesia
amálgama das almas
(a Maiakóvski)
ser signo
ser cisne, ser lama
ser arma, ser lâmina
sem vínculos, só gana
ser silvo, ser manha
ser brasa, ser drama
nada de fora atiça
o ser, de dentro dana
(a João Cabral)